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CLUBE DE REVISTA: Estudo WEAN SAFE - A epidemiologia do desmame.

Por: Davi Mota Alcantara, Médico - 13/06/2023 15:50

Como podemos descrever o processo de desmame que ocorre nas Unidades de Terapia Intensiva espalhadas pelo mundo?

O que esperar? Quais os fatores de risco para pior prognóstico? Qual a porcentagem de pacientes que conseguimos desmamar com sucesso? O que pode atrasar o início do processo de desmame?

✍ Tentando responder esta pergunta, surgiu o estudo WEAN SAFE: um grande estudo observacional, multicêntrico, prospectivo de coorte, realizado em 481 Unidades de Terapia Intensiva (UTI) em 50 países, incluindo o Brasil (1). Foi publicado em janeiro/2023, na Lancet Respiratory Medicine.

👉 Para acessar o estudo, clique aqui.

De outubro/2017 a junho/2018, 10232 pacientes foram avaliados para elegibilidade e 4363 foram excluídos, sendo a grande maioria por não atingirem 48h de Ventilação Mecânica (VM). 5869 participantes integraram o estudo.

📝 A população estudada pacientes adultos (maiores do que 16 anos) internados em UTI com pelo menos mais de 48 horas em VM. A partir daí, o processo de desmame, em específico, foi acompanhado de perto a fim de avaliar variados desfechos.

 

✍ Definições importantes:

Neste estudo, algumas definições são fundamentais para a correta interpretação dos resultados. Veja a seguir:

  1. Critérios de elegibilidade para o desmame (modificado de Boles et al)(2): 

    1. Fração inspirada de oxigênio (FiO2) menor do que 50%;

    2. Pressão positiva ao final da expiração (PEEP) menor do que 10;

    3. Uso de nenhum ou baixa dose de vasopressores;

    4. Não estar sob agente paralisante.

  2. Definição de quando o paciente entrou na fase de desmame: quando foi realizada a primeira tentativa de separação do ventilador. Em pacientes intubados, a separação foi definida como um TRE ou uma extubação direta. Em pacientes traqueostomizados, a separação foi definida como um curto período de teste em tubo T, baixo suporte respiratório, curto período de oxigenação em máscara de traqueostomia ou um TRE.

  3. O atraso na tentativa de separação do ventilador foi definido como um intervalo de tempo maior do que 1 dia entre se atingir os critérios de elegibilidade para o desmame e a primeira tentativa de separação.

  4. O sucesso no desmame foi definido como: extubação sem morte ou reintubação por 7 dias consecutivos ou alta da UTI sem VM invasiva - em pacientes intubados; ventilação espontânea pela traqueostomia sem VM durante 7 dias consecutivos ou alta da UTI com respiração não assistida - em pacientes traqueostomizados.

  5. Classificação WIND modificada:

    1. Sem tentativa de separação: nunca submetidos a tentativa de separação do ventilador, ou seja, morreram ou foram transferidos para outra unidade.

    2. Demame curto: desmame com sucesso em até 1 dia após a primeira tentativa de separação.

    3. Desmame intermediário: desmame com sucesso em mais de 1 dia e antes de 7 dias após a primeira tentativa de separação.

    4. Desmame prolongado: desmame com sucesso pelo menos 7 dias após a primeira tentativa de separação até o limite de 90 dias do seguimento.

    5. Falha no desmame: pacientes submetidos a tentativa de separação do ventilador, mas mantiveram necessidade de suporte ventilatório invasivo até o dia 90 ou até a transferência para outra unidade ou morte (sem sucesso no desmame).

⚠️ Uma ressalva importante: os critérios de elegibilidade para o desmame diferem daqueles das principais fontes adotadas como referência para classificar o paciente como potencialmente apto ao teste de respiração espontânea (TRE), incluindo a mesma adotada como referência no estudo (2). Normalmente a FiO2 utilizada na prática, para avaliar a elegibilidade do teste de respiração espontânea do paciente, é de 40% ou menos e a PEEP de 8 ou menos ou então 5 ou menos.

 

✅ Resultados e pontos-chave:

  • 65% dos pacientes tiveram sucesso no desmame.

  • 77% dos pacientes foram submetidos a pelo menos uma tentativa de separação do ventilador.

  • Dentre os pacientes submetidos a pelo menos 1 tentativa de separação do ventilador: 65% tiveram desmame curto; 10%, desmame intermediário; 10%, desmame lento; e 15% tiveram falha no desmame. Destes últimos, quase 80% morreram na UTI.

  • Associação importante entre sedação profunda e atraso e falha no desmame.

  • A mortalidade dos pacientes foi elevada. 32% na UTI e 38% no hospital, atingindo número considerável de pacientes com desmame bem sucedido e pacientes que tiveram alta da UTI.

  • Há variações importantes nas práticas de desmame ao redor do mundo; mais de 30% dos pacientes desmamados não foram submetidos formalmente a um TRE. 

A imagem abaixo resume alguns dos achados no estudo:

✍ Consideramos este artigo muito importante, porque: a) Conseguiu avaliar bem a epidemiologia do processo de desmame em 50 países; b) Nos oferece um mapeamento epidemiológico e prognóstico para a nossa própria prática sobre pacientes em VM por mais do que 48 horas nas mais variadas condições.

⚠️ Como gera muita informação, este é um paper que merece ser lido e interpretado com atenção e também com cautela em relação aos possíveis vieses. Por isso mesmo nós vamos fazer uma nova postagem em alguns dias sobre o estudo Wean Safe, aprofundando a análise crítica do estudo.

🤓 E você, Xlunger? O que achou destes resultados? Como isso impacta na sua prática?

Obs.: O artigo foi gentilmente cedido pelo Dr John Laffey, um dos autores principais, a pedido, por email, da nossa equipe. Fica aqui o nosso agradecimento.

 

Referências:

  1. Pham T, Heunks L, Bellani G, et al. Weaning from mechanical ventilation in intensive care units across 50 countries (WEAN SAFE): a multicentre, prospective, observational cohort study [published correction appears in Lancet Respir Med. 2023 Mar;11(3):e25]. Lancet Respir Med. 2023;11(5):465-476. doi:10.1016/S2213-2600(22)00449-0
  2. Boles JM, Bion J, Connors A, et al. Weaning from mechanical ventilation. Eur Respir J. 2007;29(5):1033-1056. doi:10.1183/09031936.00010206


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