Ventilação Não Invasiva na Síndrome da Angústia Respiratória Aguda: desmascarando a interface



Última atualização: Terça, 12 de Maio de 2020, as 14:23

O emprego de VNI como suporte ventilatório a pacientes com SARA constitui ponto de grande controvérsia. Há poucos dados na literatura que demonstrem sua eficácia neste contexto clínico. Apesar disso um estudo epidemiológico1 demonstrou que esta técnica foi empregada em 15% dos pacientes com SARA em uma coorte internacional de 50 países.

Um dos principais limitadores do uso de VNI nesse cenário deve-se à frequente intolerância e portanto, baixa aderência que os pacientes demonstram ao uso prolongado de máscaras oronasais, sobretudo quando altas pressões de via aérea, como PEEPs elevadas, por sua vez necessárias no tratamento da SARA, são empregadas. A intolerância se relaciona a eventos adversos, vazamentos et ineficiência em melhorar a oxigenação e o padrão respiratório2 .

Nesse ínterim merece destaque o trabalho de Patel et al. em JAMA3 . Os autores do Serviço de Pneumologia e Terapia Intensiva da Universidade de Chicago, EUA, randomizaram 83 pacientes que receberam suporte de VNI para SARA, por um período mínimo de 8h, para persistirem usando a máscara oronasal ou receberem o suporte através da interface tipo Helmet (capacete). O sistema Helmet tem a grande vantagem de permitir a aplicação de VNI sem qualquer contato da interface com a face do indivíduo, à semelhança do tipo de interface usada pelos humanos, num futuro distante, como idealizado no filme Wall-E.

Vni Wall E

Interface Helmet em uso por um paciente3 e ao lado, personagem do filme Wall-E (Walt Disney Pictures/Pixar Animation Studios).

Os pacientes randomizados para uso do Helmet tiveram menor taxa de intubação traqueal (18,2% vs 61,5%, p < 0,01) e maior sobrevida após 90 dias (65,9% vs 43,6%, p =0,02). O estudo foi interrompido precocemente ante a documentação de um efeito estatisticamente superior do sistema Helmet e dados de um outro estudo francês que demonstrou evidências da pouca ou nenhuma eficácia do emprego de VNI com máscara oronasal para pacientes com insuficiência respiratória hipoxêmica4 .

Vários fatores podem ser aventados para explicar os resultados favoráveis à interface Helmet. Em primeiro lugar, a tolerância e o conforto dos pacientes pode ter sido melhor com a mesma do que com a máscara oronasal. Vazamentos intensos durante a VNI geram desconforto, assincronia paciente-ventilador, privação de sono e dificultam os ajustes de pressões elevadas nas vias aéreas2 . De fato, o uso do Helmet se associou ao emprego de PEEPs mais elevadas e menores pressões de distensão, o que por sua vez constitui um tipo de suporte ventilatório considerado protetor e que se associa a menor mortalidade nesse grupo de pacientes5, 6 .

Antes de se criar uma onda de entusiasmo e se indicar o uso do sistema Helmet para pacientes com SARA algumas ponderações se impõem.

O sistema Helmet tem algumas desvantagens . Ele requer ajustes especiais no ventilador mecânico, pois possui um grande espaço interno, que pode ou não funcionar como um espaço morto, e ainda comprometer os mecanismos de disparo e ciclagem do ventilador mecânico. Além disso a maioria dos ventiladores, não foi desenhada para sua utilização, e as medidas de volume corrente podem perder acurácia durante seu uso6 .

Outro ponto de debate diz respeito aos possíveis riscos de se manter o esforço muscular respiratório espontâneo durante o suporte ventilatório na SARA , sobretudo nas formas mais graves7 .

Antes de recomendar o seu uso de modo sistemático, recomenda-se que aguardemos novos trabalhos que reproduzam os promissores resultados obtidos em um centro de excelência em terapia intensiva. Além disso, não se conhece se há superioridade do uso de VNI com o Helmet em relação a outras alternativas igualmente com grande potencial de emprego na SARA, como a oxigenoterapia nasal de alto fluxo4 .

Outro ponto diz respeito ao uso de boas práticas na escolha, adaptação e compatibilidade da interface escolhida com o ventilador mecânico. Ainda não se sabe por exemplo se o uso de máscaras que não tocam o dorso do nariz e cobrem a face quase por inteiro (tipo facial total) seriam superiores às máscaras oronasais ou mesmo em relação ao sistema Helmet.

Mascara Vni

Máscara facial total com adaptador que permite conexão à ventilador mecânico de UTI com duplo circuito e portanto FIO2 até 100% e monitorização de parâmetros ventilatórios. 8

Até lá recomenda-se bastante critério tanto na indicação, quanto na implementação e monitorização do emprego da VNI a pacientes com SARA. Caso empregada, que o seja por profissionais com reconhecida experiência. Ao menor sinal de ineficácia ou intolerância à VNI, a pronta intubação traqueal com a instituição de ventilação mecânica protetora precocemente, ainda se apresenta como a estratégia mais segura.

Autor:

 


Marcelo Alcantara Holanda

- Prof Associado de Pneumologia e Terapia intensiva da Universidade Federal do Ceará (UFC).

- Idealizador da Plataforma xlung para ensino da VM.





Referências:

  1. Bellani G, Laffey JG, Pham T, et al; LUNG SAFE Investigators; ESICM Trials Group. Epidemiology, patterns of care, and mortality for patients with acute respiratory distress syndrome in intensive care units in 50 countries. JAMA. 2016;315(8):788-800. doi:10.1001/jama.2016.02

  2. Holanda, MA et al. Influence of total face, facial and nasal masks on short-term adverse effects during noninvasive ventilation. J. bras. pneumol. 2009, vol.35, n.2, pp.164-173. ISSN 1806-3713. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132009000200010.

  3. Patel BK,Wolfe KS, Pohlman AS, Hall JB, Kress JP. Effect of noninvasive ventilation delivered by helmet vs face mask on the rate of endotracheal intubation in patients with acute respiratory distress syndrome: a randomized clinical trial. JAMA. 2016; doi:10.1001/jama.2016.6338

  4. Frat JP, Thille AW, Mercat A, et al; FLORALI Study Group; REVA Network. High-flow oxygen through nasal cannula in acute hypoxemic respiratory failure. N Engl J Med. 2015;372(23):2185-2196. doi:10.1056/NEJMoa1503326.

  5. Amato MB, Meade MO, Slutsky AS, Brochard L, Costa EL, Schoenfeld DA, Stewart TE, Briel M, Talmor D, Mercat A, Richard JC, Carvalho CR, Brower RG. Driving pressure and survival in the acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2015 Feb 19;372(8):747-55. doi: 10.1056/NEJMsa1410639.

  6. Beitler JR, Owens RL, Malhotra A. Unmasking a Role for Noninvasive Ventilation in Early Acute Respiratory Distress Syndrome. JAMA. 2016 Jun 14;315(22):2401-3. doi: 10.1001/jama.2016.5987

  7. Papazian L, Forel JM, Gacouin A, et al; ACURASYS Study Investigators. Neuromuscular blockers in early acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2010;363(12):1107-1116. doi:10.1056/NEJMoa1005372.

  8. Holanda, MA, Reis RC. Ventilação Não Invasiva na Insuficiência Respiratória Aguda IN: Pereira, CAC; Holanda, MA. Medicina Respiratória – Volume 1 – Atheneu, São Paulo, 2013

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